Uma amiga me convidou dia desses para passar as férias em Itaparica. Para convencer-me, enumerou todas as belezas do local, a mais que perfeita infra-estrutura de sua casa. Eu disse que não iria nem sob chicote. Jogando baixo, a moça enumerou as especialidades culinárias de sua tia-avó—e azeite de dendê, senhores, é o meu fraco. Ainda assim, disse que não iria. Para que não me acusem de ser anti-social, explico.
É em Itaparica que funcionam as principais casas brasileiras dedicadas ao culto de Egungun. Essa prática, apesar de intimamente ligada à religiosidade africana, não se confunde com o candomblé: enquanto este cultua as forças da natureza personificadas pelos Orixás, aquela cultua os ancestrais. O Ilê Agboulá, ou terreiro das Amoreiras, e o Ilê Axipá, são exemplos de casas com tradição de culto aos Egungun. E o negócio é impressionante: em uma sala secreta, longe dos olhos curiosos, entoam-se rezas específicas sobre uma roupa especial, uma espécie de grande burca, que vai, misteriosamente, aumentando, aumentando, até chegar ao tamanho de um homem. A roupa, então, anda sozinha. De dentro dos panos, uma voz grave se faz anunciar. É um antepassado que veio do Orun para auxiliar e receber reverências dos vivos.
Homem reverencia o seu ancestral, protegido pelo ixan
Em seguida, os Egungun saem para o salão principal, sob os olhos do povo. Dançam, e transmitem recados aos vivos, seus descendentes. Durante todo o tempo, no entanto, são vigiados pelos iniciados no culto para que não toquem em ninguém. Dizem que ao tocar a roupa de um Egungun, toca-se a própria morte. As conseqüências, meus caros, não são difíceis de imaginar. É por isso que os iniciados, com seus ixans—varetas de amoreira ritualisticamente consagradas—afastam os Egungun das pessoas.
Muitas vezes, no entanto, é preciso movimentos enérgicos desses iniciados—os ojés—porque o Egungun se lança violentamente, no afã de comungar com os vivos. Nesses momentos, é pelo fino galho de amoreira que a morte é afastada. É por essas e outras que recusei o convite.
Ou talvez porque, no fundo, tenha a consciência de que esse jogo-ritual dos Egungun—a morte sempre perseguindo a vida— seja a teatralização mais substancial da realidade da nossa humana condição.
5 comentários:
Amigo Alan, gostei muito do seu texto. Tenho acompanhado o culto de Egum de uma das casas que frequento. É um bonito ritual aos antepassados. Abraço. Luiz.
Mestre,
Essa casa em questão também tem fundamento de Jurema?
Abraço!
É uma coisa impressionante o culto ao Egungun. Sinto um misto de medo e fascínio. Ótimo texto!
Valeu, Bruno!
Alan: tem sim, a casa que me referi tem fundamento de Jurema, plantado em terras pernambucanas. Abração pra vc.Luiz.
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