sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dia de Jorge

Quando os fogos de artifício explodiram a alvorada, pensei em escrever sobre a saga de Jorge.

Falaria sobre o príncipe da Capadócia que, durante o governo de Diocleciano, proclamou sua fé no Cristo, foi preso e torturado; narraria os terríveis castigos que sofreu, calçando botas de ferro incandescente, enterrado sob cal viva, e como, apesar de tudo isso, ele continuava vivo, pela graça de Deus; escreveria como Jorge ressuscitou um homem, diante de um povo estupefato; contaria como o santo foi finalmente decapitado no dia 23 de Abril de 303 a.C.; talvez comentasse sobre a aparição do guerreiro, 795 anos depois de sua morte, vindo das montanhas, montado em um cavalo branco, para derrotar a ofensiva turca contra os cruzados em Antioquia; certamente lembraria de como, na Idade Média, São Jorge salvou uma indefesa donzela de uma morte certa, cravando sua espada sob as asas do terrível dragão; não poderia esquecer—caso fosse escrever o texto—de citar a decisiva participação do santo, já sincretizado com Ogum, na batalha do Humaitá, na guerra do Paraguai; falaria da grande injustiça cometida pelo papa Paulo VI, que rebaixou São Jorge, e tornou suas festas opcionais dentro do calendário litúrgico; citaria também os poderes de um povo que uniu um santo da Capadócia com o orixá de Irê.



Crédito: Luisa Nolasco
                                ( Festa de São Jorge- Niterói)

Mas não foi isso que ocorreu, porque um evento, pela manhã, mudou meus planos. Circundava de carro a lagoa Rodrigo de Freitas, dirigindo-me para a Igreja do santo. Meu telefone tocou; atendi. Falava com uma amiga, quando uma motocicleta da PM me abordou; encostei.


Mostrei os documentos; tudo em ordem. Falar ao celular enquanto dirige dá multa—disso eu sabia. O cabo Antunes olhou para minha blusa vermelha, sorriu e perguntou:

- Você está indo para...

- A Igreja de São Jorge—atalhei.

O homem da lei, então, aproximou a boca ao meu ouvido:

- Amigo, vai na fé. Não se esquece de pedir por mim...

Segui sem multa. Irmanei-me ao povo que se espalhava ao redor do templo. O padre, finda a missa, aspergia água benta e abençoava chaves de carro, medalhas, imagens de gesso, fotografias, colares de Umbanda e fitas vermelhas.

Atravessando com dificuldade a massa de faxineiras, advogados, bicheiros, médicos, escriturários, sambistas, vagabundos, estudantes, e policiais, acerquei-me da imagem do santo. Depositei aos seus pés, entre a lança e o dragão, duas palmas vermelhas. Uma por mim; a outra pelo cabo Antunes.

2 comentários:

Assunção disse...

Salve Jorge, Ogunhê meu pai! Muito Axé. Luiz Assunção.

Alan disse...

Mestre,

Que aquele-que-vai-sempre-na-frente continue sempre a lhe abrir os caminhos em direção aos mistérios do Brasil!

Grande Abraço!