terça-feira, 13 de abril de 2010

Mario de Andrade, Modernismo e o Mestre Menino

                                      “Você condena o que a moçada anda fazendo
e não aceita o teatro de revista
arte moderna pra você não vale nada
e até vedete você diz não ser artista”


Não sou dado a exageros. Por isso, não chego a concordar integralmente com o Falso Moralista da música de Nelson Sargento. Não falo sobre o Teatro de Revista, que isso é sesmaria do historiador (e grande aficionado em Artes Cênicas) Luiz Antônio Simas—apesar de Luiz Antônio ter preferência pelas produções contemporâneas.

O que eu queria mesmo era falar sobre o ensino do Modernismo nas salas de aula—tema, aliás, recorrente em vestibulares. Os alunos ficam preocupados em aprender sobre a Semana de 22, sobre os acontecimentos políticos da época, sobre a revista Klaxon, e chegam até a decorar uns poemas. O pior é que o fundamental, nessa confusão toda, acaba sendo esquecido. E digo mais: se o Brasil fosse um país sério, todas as bancas de Vestibular deveriam abrir suas provas com a seguinte questão: “ Quem mais contribuiu com o Modernismo brasileiro?”

Os jovens que respondessem Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Virginia Lane, Tarsila do Amaral, Filinto Müller, etc,etc, receberiam um zero retumbante. O mais importante elemento no modernismo brasileiro foi, sem sombra de dúvida, Mestre Carlos da Jurema. Acompanhem-me.

Mario de Andrade chegou à cidade de Natal para conhecer melhor os costumes da terra. E foi na periferia da cidade, mais especificamente na casa de dona Plastina, que o poeta paulista conheceu dois catimbozeiros. Para quem não sabe, o Catimbó é uma prática religiosa nordestina fruto da associação dos rituais indígenas tapuias com o catolicismo popular. Nesses rituais, bebe-se um preparado mágico a base de Jurema, planta da família das leguminosas. A Jurema tem poderes mágicos, e é capaz de expandir a consciência do indivíduo. O Catimbó cultua seus mestres, entidades que incorporam nos juremeiros para aconselhar e curar o povo do Nordeste. Essas entidades costumam fumar o cachimbo ao contrário: colocam o fornilho dentro da boca e assopram a fumaça pela piteira. Assim, fazem e desfazem qualquer coisa.

Nosso poeta foi convidado a participar de uma cerimônia de fechamento de corpo. Os catimbozeiros começaram seus cânticos de invocação aos mestres:


Abre-te, mesa celeste
Abre-te portão riá
Abre-te, curtina nobre,
Cidade de Jurema!

Nesse instante, o negócio pegou fogo: baixou mestre Xaramundi. Portentoso cacique amazônico, a entidade é conhecida pelo seu poder de limpar a matéria impura. Xaramundi, aproximando-se, cheirou as pontas dos dedos do poeta e fez uma monumental careta de nojo. Para purificar o corpo de Mario de Andrade, o cacique começou a desferir bofetadas no rosto do catimbozeiro cujo corpo estava possuindo. Xaramundi batia em um para purificar o outro. O cacique não economizava nas trauletadas, mais impactantes que as caneladas de Júnior Baiano. Vinte e um tabefes depois, Xaramundi tornou a cheirar os dedos de Mario. Outra vez, a monumental cara de nojo. O portentoso cacique decidiu ir embora.

Mal a situação se reestabeleceu, outra entidade baixou, dessa vez o afamado Rei Eron. Mas esse mestre também não aceitou o encargo de fechar o corpo de Mario de Andrade. Outras entidades foram baixando nos catimbozeiros: Manicoré, mestra Angélica, e Felipe Camarão. Ninguém aceitou a tarefa.

Quando já não havia mais esperança, desceu o mestre Carlos da Jurema. Conta-se que Carlos era filho de um famoso catimbozeiro. Um dia, quando contava 12 anos, Carlos tentou abrir sozinho, escondido na mata, uma sessão de Catimbó: como não havia sido iniciado, caiu duro, fulminado, do lado de um pé de jurema. Seu pai, o grande catimbozeiro, saiu a procurar o filho, e, junto aos vizinhos, vasculhou tudo durante três dias e três noites. Desesperado, resolveu abrir uma mesa de catimbó para buscar resposta junto às entidades. Bebeu da Jurema e seu corpo estremeceu levemente:


Mestre Carlos é bom mestre
Que aprendeu sem se ensinar
Três dias levou caído
Nos pés do Juremá
Quando se alevantou
Foi pronto pra trabalhar!


Era mestre Carlos que chegava. Foi ele que realizou o ritual adequado e selou o corpo de Mario de Andrade contra os males do fogo, do céu, da terra, e do mar. Por isso, mestre Carlos foi o elemento mais importante do Modernismo nacional—gabarito indiscutível. E quem viu sabe: todos os poemas do mundo não dão a poesia da fumaça do mestre menino.

8 comentários:

Diego Moreira disse...

Bacana! Acho que eu já conhecia a história... rs.

Alan disse...

Por que será, né, Diegão? =)

Luisa disse...

Estou adorando seus textos.

Alan disse...

Lu,

só descobri que era você pelo flickr no seu profile!

Apareça sempre! :)
beijo!

Luiz Antonio Simas disse...

COncordo integralmente e já indiquei o blog lá no Histórias.

Alan disse...

A casa é sua, Luiz Antônio.

Em breve, este espaço lhe reservará uma justa homenagem. Aguarde!

Abraço!

Ricardo disse...

Texto muito interessante parabens Alan.

Alan disse...

Ricardo, meu velho, interessante mesmo são os encantados deste país.
Volte sempre!Abraço!